Avançar para o conteúdo principal

O culto da terra e dos mortos - Influências do nacionalismo Alemão

Nos inícios do Séc.XX, a França opera um deslocamento radical para um nacionalismo de solo e de sangue. O que não é mais do que a consequência do rejeitar da cultura política universalista da época das luzes.
Trinta anos antes da revolução Francesa a «enciclopédia» de Diderot e D´alembert define a nação como «uma quantidade considerável de povos que habita uma certa extensão de terras fechada dentro de certos limites e que obedece ao mesmo governo». Um ponto, e é tudo. Nem uma palavra sobre a história, a cultura, a língua e a religião: assim nasce o cidadão. Esta visão esclarecida político-jurídica da colectividade não sobreviverá aos primeiros anos da revolução Francesa. A revolta contra as luzes da segunda metade do Séc.XVIII, que da Alemanha passará à França, provocando um aumento das diferenças entre os povos de cada país e das suas comunidades de origem, dará origem ao nascimento do nacionalismo; o fundador da ideologia nacionalista foi um filósofo alemão, Johann Gottfried Herder (1744-1803). No entanto, nem o nacionalismo que iria percorrer os sécs.XIX e XX nem os anti-luzes são exclusividades alemãs. Por volta de 1760, Edmund Burke, o célebre autor das «reflexões sobre a revolução francesa» que os neo-conservadores insistem, erradamente, em classificar de liberal começa a forjar uma visão orgânica da nação. 

Pela primeira vez o sentimento nacional e o culto do passado nacional, a história, a cultura e as tradições nacionais foram mobilizadas contra a autonomia dos indivíduos, os direitos naturais e a democracia. Mas foi com Herder que o nacionalismo explodiu: Herder e Burke exerceram uma influência determinante sobre Renan, sobre Taine, sobre Michelet e sobre Barrés.
Hippolyte Taine resumirá o pensamento de Johann Herder numa fórmula rapidamente aceite: o Homem é determinado pela raça, pelo meio e pelo momento. O nacionalismo generalizou-se proclamando como verdade universal que não há verdade universal.
Maurice Barrés dirá: «Não há verdade absoluta, somente há verdades relativas».Da verdade, apenas restam uma pluralidade de verdades nacionais.
Contudo, para se ter uma visão da complexidade do evoluir das ideias, dos conceitos de esquerda e direita, assim como algumas relações surpreendentes e sempre tortuosas entre o nacionalismo alemão e o nacionalismo francês, será preciso falar sobre Michelet. Barrés o teórico da terra e dos mortos, do solo e do sangue admirava Michelet porque tinha descoberto nesse grande historiador entusiasmado pela escola alemã, um aspecto que passou despercebido durante muito tempo: a visão da cultura, da história e da nação é mais próxima da de Herder e de Burke do que a que se encontra na «enciclopédia» e nos pensadores do iluminismo Francês.

Michelet descobre Herder pelas traduções de Edgar Quinet: nasce assim uma amizade famosa entre os dois e Michelet, inspirando-se em Herder, introduz o seu pensamento em França. Continua a ser Michelet que traduzindo para francês revela à Europa inteira Giambattista Vico(1668-1744), o primeiro a ter lançado da sua província Napolitana o assalto contra o racionalismo. Aqui se coloca a pergunta essencial: porque é que o jovem historiador francês (Michelet), à procura de um método histórico se voltou para Vico e Herder e não para Montesquieu ou até para Voltaire, o verdadeiro fundador da filosofia da história? Montesquieu era um racionalista ao passo que Herder, como muito bem notou Hegel depois de Kant, era adepto de um anti-racionalismo que se tornaria a vaga de fundo que ataca a filosofia da época das luzes. Quanto a Renan, auto-proclamar-se-á o maior filósofo de todos os tempos e seguirá Michelet na condenação do «veneno» que segrega o século XVIII.
A explicação das reticências de Michelet a respeito de Montesquieu tem sobretudo a ver com a simpatia pelo nascimento do nacionalismo alemão. Tal como Herder, Michelet pensa que o recurso demasiado radical da razão enfraquece as forças vitais. De facto, as suas escolhas irão doravante pesar consideravelmente sobre a evolução do pensamento nacionalista em França. A nação para Michelet é um ser vivo, cada povo possui uma alma colectiva, tal como Herder antes dele e tal como Barrés depois dele, Michelet para preservar a identidade nacional eleva-se contra o perigo do cosmopolitismo e diz claramente: «o que acontecerá a este povo se se puser a imitar outros povos indo-se embora, copiando o que poderíamos chamar a anti-França, a Inglaterra? Para Michelet «a via da imitação» é um corpo estranho que metemos na nossas carne, esta via que Herder reprovava duramente à Alemanha do seu tempo face à França «é simplesmente a via do suicídio e da morte».
Na realidade, «o povo»(1845) representa esta vertente da historiografia e do nacionalismo Francês que traz em si a marca da vitória dos valores nacionalistas sobre os valores universalistas. 

É preciso seguir o fio que de Herder passando por Michelet e Renan até Barrés, para compreender não só a explosão do início do Séc.XX mas também, o estranho parentesco entre os nacionalismos alemão e francês, que, por volta de 1900 convergem até terem características muito próximas. Não deixa de ser estranho tudo isto pois se a leste da Alemanha até aos Balcãs, à Ucrânia e à Rússia esta concepção linguística e cultural e não política da colectividade, tal como a ideia dos novos povos aos quais o futuro pertence tem um sentido e uma função constituindo uma verdadeira revelação, uma força mobilizadora. Estas ideias não respondem a nenhuma necessidade concreta em França. Era natural que nessas regiões Herder se tornasse um profeta e o particularismo nacional, histórico e cultural, mais tarde biológico, a lança de acção política onde nada representava nas terras de eleição da monarquia e das repúblicas jacobinas. Nos impérios onde a colectividade se define pela língua e pela cultura e não pelo estado ou pela dinastia, os conceitos de génio nacionalista e de carácter nacional eram um motor de revolta compreensível e os critérios culturais podiam apresentar certas características democráticas, anti-dinásticas e serem forças de libertação.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Islâmicos podem negar o holocausto

Leio por estes dias e por linhas travessas que em Inglaterra, os governantes do país preparam legislação especial para a comunidade muçulmana poder negar o holocausto - noutras versões é o "holoconto" -, enquanto os não muçulmanos continuam a não poder negá-lo. Não sei (ainda) o que é mais grave, se a abertura deste precedente, ou o facto de o mesmo ser atribuído a uma sociedade islâmica que pretende um novo imperialismo, baseado numa teocracia abjecta. Se a notícia se confirmar, os judeus, ciganos, eslavos, católicos e oposicionistas são completamente desconsiderados e as suas memórias conspurcadas pelo aviltamento mais baixo e vergonhoso.. o direito à diferença não pode justificar precedentes desta natureza, em que o que é verdade para uns, já possa ser mentira para outros.

A aparência mental do mundo quântico

Paul Dirac dizia numa conferência realizada em 1993 que «a natureza aleatória dos saltos quânticos não era feita às cegas como a palavra aleatória poderia deixar supor.» É feita uma escolha, continuava Dirac, dizendo ainda que neste caso, escolha, se definia como «qualquer fixação de algo que é deixado livre pelas leis da natureza.» O que Dirac pretendia dizer é que os saltos quânticos estavam à margem das leis da natureza, tal como as conhecemos.   Não é fácil conceber ou ter uma ideia sobre as leis que possam reger os saltos quânticos, se é que lhes podemos chamar de leis. Já mais de uma vez foi sugerido por diversos investigadores e cientistas que nos saltos quânticos, o sobrenatural se impõe ao natural. Na realidade quântica a linha de demarcação entre o natural e o sobrenatural não é clara, tornando-se difusa e opaca, o que provoca uma fusão dos dois domínios e entrando-se pela metafísica adentro.   Como a natureza do ser humano é molecular, estamos su...

A justiça entre o pensamento e a terminologia

O pensamento e a terminologia sobre a justiça, dizia E. Dupréel [Traité de Moral , Bruxelles, 1932, Tomo II, pp. 485 a 496], desde sempre incitaram a uma confusão entre os valores da justiça e os valores morais. Pensados muitas vezes como iguais e totalmente correspondentes, o que não é bem verdade.  A literatura moral e religiosa reconhece o homem integralmente honesto e prestável ao próximo; a justiça não é mais do que o nome comum de todas as meritocracias, o que possibilitou ao classicismo estabelecer a ideia fundamental - a moral tem como principal mola orientadora ensinar e demonstrar o que é justo fazer e o que não é justo fazer - a razão deve assim ensinar-nos a distinção entre o justo e o injusto. A justiça, sendo uma virtude entre outras, está fundada na moral. Claro que um conceito muito próprio de classificar de justas concepções sociais adquiridas e preconizadas, nem sempre permitem a melhor justiça. A própria história revela muitos exemplos, por mais revoluções, ...