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O golpe de Estado alemão

«A introdução do euro na Alemanha assemelhou-se a um golpe de estado. Em 1989 o Bundesbank apoiara uma proposta britânica de Nick Lawson sobre a concorrência monetária na comunidade europeia. John Major também tentara algo do género para o Reino Unido quando propusera o ECU: 13 moedas na união europeia sendo as 13 aceites como moeda legal. Mas o governo alemão rejeitou a proposta britânica de mercado livre; preferia a proposta socialista de moeda fiduciária. O governo alemão foi contra a vontade da maioria dos alemães que queriam manter o marco. Para tal, lançou uma campanha publicitária, com anúncios nos jornais a afirmarem que o euro seria tão estável quanto o marco. Quando os dinamarqueses votaram contra a introdução do euro, o orçamento da campanha publicitária foi aumentado: passou de 5,5 para 17 milhões de marcos.


Os políticos alemães tentaram convencer os seus eleitores com um argumento absurdo: afirmaram que o euro era necessário para manter a paz na Europa. O antigo presidente, Richard von Weizsacker, escreveu que política implicava uma união monetária estabelecida e que esta seria necessária para manter a paz, uma vez que a posição central da Alemanha já levara a duas guerras mundiais. Num momento de arrogância e paternalismo típicos da classe política, Gunther Verheugen, um social democrata alemão, afirmou num discurso no parlamento alemão: «uma Alemanha forte, unida, pode facilmente - ensina-lo a história - tornar-se um perigo para si própria e para outros». Ambos se haviam esquecido de que após a reunificação a Alemanha não era tão grande quanto fora antes da II guerra mundial. Além disso, não perceberam que a situação era muito diferente da de outros tempos. Em termos militares a Alemanha era muito inferior à França e à Inglaterra, e estava ainda ocupada por soldados estrangeiros. E depois da guerra, os aliados haviam educado os alemães no sentido do socialismo, progresso e pacifismo - para afastar qualquer oposição militar.
Culpar implicitamente a Alemanha pela II Guerra Mundial e lucrar com isso era uma táctica que a classe política usara várias vezes. Agora, o argumento implícito era que por causa da II Guerra Mundial, e Auschwitz em particular, a Alemanha tinha de abandonar o marco, como medida no sentido de união política. O paternalismo e a cultura da culpa no seu melhor.

De facto, o chanceler Alemão Helmut Schmidt, ao referir-se ao SME (sistema monetário europeu), o antecessor do euro, afirmou que aquele fazia parte de uma estratégia para poupar a Alemanha a um isolamento fatídico no coração da Europa. Em 1978 disse a elementos do Bundesbank que a Alemanha precisava de protecção ocidental por causa das suas fronteiras com países comunistas; e acrescentou que, no rescaldo de Auschwitz, o país ainda estava vulnerável. A Alemanha precisava de ser integrada na NATO e na comunidade europeia, e o SME seria um meio para atingir um fim - como o euro, mais tarde, viria a ser. Ao reler as suas palavras em 2007, Schmidt afirmou que não mudara de opinião. Acreditava que sem uma moeda única as instituições financeiras alemãs tornar-se-iam líderes, causando a inveja e a ira dos seus vizinhos, com consequências políticas adversas para a Alemanha.
Uma ameaça semelhante de isolamento político ocorreu mais tarde, aquando da reunificação alemã. Mitterand aventara a hipótese de uma tripla aliança entre a Inglaterra, a França e a União Soviética, bem como o cerco da Alemanha. Só a moeda única impediria tal cenário.
Enquanto a classe política alemã tentava convencer os alemães cépticos dos benefícios de uma moeda única, os académicos alemães tentavam convencer a classe política dos perigos da moeda única, e instavam o governo a que não assinasse o tratado de Maastricht. Em 1992, 60 economistas assinaram um manifesto que, entre outras coisas, afirmava que as claúsulas do tratado eram demasiado suaves. Em 1998, 155 professores de economia pediram o adiamento da união monetária (em vão). Para que esta fosse viável, as estruturas dos países europeus teriam de ser diferentes. Muitos elementos do Bundesbank opunham-se à introdução do euro antes de se conseguir a união política, e argumentavam que a moeda comum deveria ser um fim, e não um meio da convergência económica.
Em termos constitucionais, os juristas colocaram algumas dúvidas ao tratado de Maastricht. Karl Albrecht Schachtschneider, um professor de direito, afirmou que a união monetária só poderia ser estável e funcionar no âmbito de uma união política. Mas esta união política, todavia, implicava o fim do estado alemão, o que em si mesmo era inconstitucional. Schachtschneider também salientou que a constituição alemã requeria uma moeda estável, algo que não conseguiria numa união monetária com estados independentes. E numa união monetária inflacionária também o direito de propriedade seria violado.
Contudo, o tribunal Constitucional Alemão determinou que o tratado de Maastricht era, de facto, constitucional. Estipulou que a Alemanha só poderia participar numa moeda estável e que teria de sair da união monetária se esta se revelasse instável.
Por fim, os políticos alteraram a constituição alemã para permitir a transferência do poder soberano sobre a moeda para uma instituição supranacional. Tudo isto foi feito sem consultar as pessoas.
Além disso, os políticos alemães afirmaram que o euro seria estável por causa dos critérios de convergência, da independência do BCE e das sanções instituídas no Pacto de Estabilidade e Crescimento proposto pelo ministro das finanças alemão, Theo Waigel, em 1995. Mas estes três argumentos viriam a fracassar».
  
Continua.

Transcrição feita do livro "A tragédia do euro" de Philipp Bagus

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