Hoje dia 4 de Maio faz 114 anos que nasceu em Mortágua, Branquinho da Fonseca escritor português que se dedicou a vários géneros literários. Chegou a utilizar nos seus primeiros escritos o pseudónimo de António Madeira. Sem dúvida que o seu género literário preferido era o conto, do qual eu recordo com saudade do meu tempo de adolescente o seguinte:
O Barão
São várias as fontes que apontam O Barão como a obra-prima de Branquinho da Fonseca e , também, como uma das mais notáveis espécimes da novelística portuguesa de todos os tempos. Contudo, há discordância quanto ao género a que a obra pertence: uns defendem que se trata de um conto, outros de uma novela.O texto da obra é composto pela narração da viagem de um inspector escolar a uma zona remota da província, onde irá encontrar, na noite da chegada, a figura de um aristocrata excêntrico e decadente, o "Barão", que pouco a pouco se vai tornando enigmático, exercendo um fascínio cada vez maior sobre o narrador e adquirindo um estatuto mítico, quer pelo modo como domina o seu estranho microcosmos, quer pela magia dessa noite quase irreal em que ambos irão depor uma rosa no "castelo da Bela-Adormecida". O filme, de Edgar Pêra, foi baseado nesta obra. De seguida segue um pequeno excerto desta obra magnífica:
“Não gosto de viajar. Mas sou inspector das escolas de instrução primária e tenho a obrigação de correr constantemente todo o País. Ando no caminho da bela aventura, da sensação nova e feliz, como um cavaleiro andante. Na verdade lembro-me de alguns momentos agradáveis, de que tenho saudades, e espero ainda encontrar outros que me deixem novas saudades. É uma instabilidade de eterna juventude, com perspectivas e horizontes sempre novos. Mas não gosto de viajar. Talvez só por ser uma obrigação e as obrigações não darem prazer. Entusiasmo-me com a beleza das paisagens que valem como pessoas, e tive já uma grande curiosidade pelos tipos rácicos, pelos costumes, e pela diferença de mentalidade do povo de região para região.
Num país tão pequeno, é estranhável tal diversidade. Porém não sou etnógrafo, nem folclorista, nem estudioso de nenhum desses aspectos e logo me desinteresso. Seja pelo que for, não gosto de viajar. Já pensei em pedir a demissão. Mas é difícil arranjar outro emprego equivalente a este nos vencimentos. Ganho dois mil escudos e tenho passe nos comboios, além das ajudas de custo. Como vivo sozinho, é suficiente para as minhas necessidades. Posso fazer algumas economias e, durante o mês de licença que o Ministério me dá todos os anos, poderia ir ao estrangeiro. Mas não vou. Não posso. Durante este mês quero estar quieto, parado, preciso de estar o mais parado possível. Acordar todas essas trinta manhãs no meu quarto! Ver durante trinta dias seguidos a mesma rua! Ir ao mesmo café, encontrar as mesmas pessoas!... Se soubessem como é bom! Como dá uma calma interior e como as ideias adquirem continuidade e nitidez! Para pensar bem é preciso estar quieto. Talvez depois também cansasse, mas a natureza exige certa monotonia. As árvores não podem mexer-se. E os animais só por necessidade fisíca. de alimento ou de clima, devem sair da sua região. Acerca disto tenho ideias claras e uma experiência definitiva. É até, talvez, a única coisa sobre que tenho ideias firmes e uma experiência suficiente. Mas não vou filosofar; vou contar a minha viagem à serra do Barroso.
Ia fazer uma sindicância à escola primária de V... Foi no Inverno, em Novembro, e tinha chovido muito, o que dera aos montes o ar desulado e triste dessas ocasiões.
As pedras lavadas e soltas pelos caminhos, as barreiras desmoronadas, algumas árvores com os ramos torcidos e secos. Fui de comboio até à cidade mais próxima, onde depois tomei uma camioneta de carreira que me deixou, já de noite, numa aldeia cujo nome não me lembra. Disseram-me que havia uma hospedeira ao fundo da rua. Era uma velha casa em ruínas. Entrei e fui ter à cozinha, uma divisão comprida e escura, ao fundo da qual estava uma fogueira acesa. Ao pé da fogueira, uma velha sentada. Não me sentia à vontade. Estava embaraçado, sem saber o que devia fazer, quando chegou uma senhora a procurar por mim. Era a professora, que, sabendo da minha chegada, vinha esperar-me
Branquinho da Fonseca era um escritor que escrevia com vivacidade e com uma grande pujança narrativa. Foi por iniciativa sua que em 1958 foi criado o serviço itinerante de bibliotecas da Calouste Gulbenkian, que ajudou a levar cultura e literatura aos pontos mais remotos do país. Ainda me recordo, com muita saudade, dos tempos em que na minha freguesia lá vinha a carrinha da biblioteca itinerante emprestar livros para ler. Bons tempos esses.
Outro livro espectacular de Branquinho foi sem dúvida "Caminhos Magnéticos" assinado com o pseudónimo António Madeira e lançado no longínquo ano de 1938. Outro livro que me marcou muito e que já li e reli infindas vezes.
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