«As côrtes. como já dissemos, são sempre filhas do suborno e capricho
do poder, do qual mais se devem considerar como delegadas, do que
representação da nação. Sendo a camara dos pares, ou hereditária, da
inteira nomeação do governo, sem intervenção directa, nem indirecta da
nação, não póde haver duvida que ella só representa o poder. Vejamos
agora o que sucede, quanto á constituição da camara dos deputados, ou
camara electiva. Como da maioria das côrtes depende a conservação dos
ministros no poder, e a preponderancia dos differentes partidos
politicos nos destinos do paiz, são as eleições parlamentares a primeira
origem da perversão do systema liberal, olhando-as uns e outros como o
mais grave e transcendente negocio do estado, e portanto o unico a que
todos consagram os seus incessantes cuidados, e a sua mais particular
attenção. Para se obter um triumpho eleitoral todos os meios são lícitos
e decentes, por mais indecorosos e immoraes que sejam, não duvidando
recorrer a elles, tanto os ministros, como os differentes candidatos a
uma cadeira parlamentar. Promessas de empregos, de condecorações e
dinheiro, intimas allianças de corruptos e corruptores, protecção aos
immoraes e facinoras por toda da autoridade, intervenção activa dos
governadores civis, administradores e recebedores de concelho, regedores
de parochia e cabos de policia em todos os actos eleitoraes,
violentando escandalosamente os eleitores do seu respectivo districto a
lhes aceitarem as listas, por cujo triumpho se empenham, offertas de
protecções e bons officios aos que se prestam ás suas inspirações,
ameaças de maior ou menor monta aos que lhes resistem, e finalmente
baixezas e indignidades de toda a ordem, eis a pintura fiel de uma epoca
eleitoral, pintura tanto mais verdadeira, quanto mais animada e
concorrida é a votação dos eleitores. Em todas as localidades se
estabelecem agentes, e se commissionam delegados sem moral, nem
consciencia, e ás vezes mesmo cobertos de crimes, que todos se
disfarçam, com tanto que similhantes agentes e delegados tenham coragem
para calumniar os adversarios politicos dos patronos a quem servem; que
sem nenhum escrupulo promettam, dêem e ameacem em nome de quem os
occupa, segundo as circumstancias o pedirem; que deturpem os
recenseamentos, que assaltem as igrejas para viciar as urnas, que nellas
se depositam, que nas mesmas urnas tirem ou mettam as listas que
querem, e finalmente que a todos estes titulos, sempre meritorios em
epocas de eleições, reunam o de saber falsificar, ou mesmo de sumir as
actas, quando assim fôr necessario.
Desgraçadamente o governo é sempre a alma e a vida da tão indecentes
manejos, porque capitaneando uma das facções, que se debatem, e querendo
como tal vencer as eleições para a sua conservação no poder, não se
peja de entrar em transacções immoraes com homens d´aquella natureza, ou
directamente por si, ou pelos seus delegados e pessoas da sua
confiança».
Quantos paralelismos e similitudes com a nossa época actual. Este livro,
editado em 1860, é um dos vários livros proféticos sobre a perversão
liberal e democrata.
Transcrição feita do livro Revelações da minha Vida De Simão José da Luz Soriano, com a grafia da época.
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