O aspecto jurídico-constitucional das cruzadas refere-se à autoridade competente para proclamar a guerra santa. Na perspectiva cristã, fundada na distinção entre dois poderes - o poder temporal e o poder espiritual -, compete aos príncipes temporais declarar a "guerra justa", mas somente ao Papa compete proclamar a cruzada. Do carácter de sociedade perfeita que lhe é próprio, deriva, com efeito, para a igreja, pleno jure, o poder de coacção, tanto no plano espiritual como no plano material: as cruzadas constituíram disso uma expressão histórica.
A história das cruzadas está intimamente ligada à história do papado. No século XI, uma época em que a cristandade se viu dilacerada por discórdias e a igreja representava o supremo ponto de referência, foi um Papa, Urbano II, quem conseguiu reunir os príncipes cristãos sob uma só bandeira para deter o avanço dos turcos e libertar a Terra Santa. As bulas das cruzadas e os cânones dos concílios apresentam sempre, como fim principal das cruzadas, a reconquista da Terra Santa ou a conservação do Reino Cristão de Jerusalém, que nascera com a primeira cruzada. Trata-se de uma finalidade eminentemente religiosa, que tem a "sua razão última na sacralidade dos Lugares Santos, sobre os quais, após o nascimento, vida e morte de Jesus Cristo, a igreja tem um direito imprescritível".
Não se deve somente tornar acessível aos peregrinos o sepulcro de Cristo; cumpre evitar a ofensa à Cidade Santa que lhe é infligida pela presença dos infiéis. Com efeito, a Terra Santa é a "herança de Cristo": é a terra que Cristo percorreu na sua vida terrestre, aquela terra que Deus prometera ao povo de Israel, o qual foi legitimamente substituído pelo povo cristão.
Muitos historiadores contemporâneos destacaram a dimensão espiritual das cruzadas: para além da empresa bélica, elas apresentaram-se como uma extraordinária ocasião de conversão, no sentido profundo que a Idade Média dava ao termo. O sentimento mais forte que entra na formação do espírito de cruzada, segundo Jean Richard, é a consciência do pecado. A libertação do Santo Sepulcro, segundo outros especialistas, teve um significado teológico, no sentido de que Cristo, morrendo e ressuscitando, libertou uma vez por todas os homens da morte e do pecado. A perda da Terra Santa é vista, pois, como uma consequência dos pecados dos homens, permitida por Deus para que as culpas da humanidade se tornassem mais evidentes. Já o concílio de Clermont tinha estabelecido que a peregrinação a Jerusalém seria válida pro omnia poenitentia e Urbano II e os seus sucessores garantiram a remissão de todas as culpas e a indulgência plenária a quem partia para a Terra Santa.
Os cruzados partem como "peregrinos armados" para expiar as próprias culpas numa "nobre peregrinação" que purifica a alma pecadora, de modo a entregá-la a Deus imaculada e límpida. O exército cruzado é, neste sentido, como destacou Paul Alphandéry na sua obra A Cristandade e a ideia de Cruzada, um exército de penitentes que busca, através da luta, merecer a recompensa eterna do céu.
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